Recebemos nova notícia a respeito de outro estupro. Impossível dimensionar casos ocorridos diuturnamente, mas que não vem a público.

Acreditem se tiverem estômago, ainda criança, na periferia de Campinas, sofrer violência sexual era um dos meus maiores medos. Isso porque um dos garotos que brincava conosco fora seviciado por caseiros de uma fazenda quando adentrou os limites da propriedade correndo atrás de uma pipa. Após o ocorrido Pedro nunca mais foi o mesmo. Alguma foi arrancada dele, perdeu o brilho no olhar. Tempos depois voltou a brincar conosco mas parecia um fantoche, oco por dentro.

Quando comecei a exercer psiquiatria,durante anamnese, quando chego à pergunta; já foi vítima de trauma, abuso ou abandono?” Com espantosa frequência a resposta é “sim”. Asquerosa peculiaridade brasileira ou padrão mundial dos resquícios funestos da sociedade patriarcal, machista na qual negros e mulheres eram propriedades. Há 7 anos tive uma paciente que fora estuprada enquanto estava no hospital recuperando-se da anestesia após transplante renal. Uma senhora na casa dos 60 anos!Desperta atordoada comprimida pelo perpetrador que, para variar, saiu impune.

Recentemente veio a público um crime inominável. Médico anestesiologista foi filmado estuprando uma parturiente na sala de cirurgia. Destruiu o momento mais imaculado, mais sagrado da vida de uma mulher. Confesso que me faltam palavras, resta a náusea junto a constatação de que há pessoas capazes de perpetrar tais monstruosidades. Almas roubadas por seres que não merecem serem chamados de humanos. Não sou pessimista, sinto que aqui e acolá, algumas coisas podem melhorar, mas peço perdão pelo ceticismo, não acredito que resolveremos o problema da fome, racismo, misoginia. Assim como o estado deveria cuidar do povo da rua, mas não cuida, levantam-se ONG’s para suprir os recônditos da fome, do frio, da completa vulnerabilidade. Em meio a selvageria, o estado já se mostrou insuficiente, incompetente, quando não conivente com a violência contra a mulher. Famosa infâmia de culpar a vítima; “que que tava fazendo essa hora na rua escura”, “também com uma roupa curta dessas”, etc.Não sou favorável à violência, tampouco abertamente adepto ao justiçamento, contudo, acredito em defesa pessoal. Particularmente o krav-maga. Frase linda que guardei em uma das aulas: krav-maga é a arte de voltar para casa. Não importa o tamanho do oponente, uma mulher bem treinada pode livrar-se da agressão usando técnicas de defesa pessoal. Em níveis avançados é possível inclusive defender-se de agressores armados. Sabe-se que a maioria dos casos acontecem entre pessoas conhecidas, parentes ou seja, lobos em pele de cordeiro que tem acesso a vítima e confiança de seus familiares. Protestaremos, levantaremos cartazes, iremos à  passeatas, votaremos em políticas envolvidas com a causa, mas sabemos que as mudanças são lentas. Finalizo com a célebre e infame frase de Paulo Maluf para exemplificar aonde nos encontramos (à época candidato à presidência da república pelo PDS, 1992); “tá com vontade sexual? Estupra, mas não mata”.

Sem mais, um abraço

Por: Dr Frederico Félix

 

(Texto de responsabilidade do autor)