Há poucos dias passei por uma experiência curiosa, ao menos para mim. Acostumado pela profissão, a ser aguardado e não aguardar, dar orientações ao invés de recebê-las, e não vou mentir, vez ou outra receber inclusive um tratamento diferenciado, devido a profissão exercida, recebi com certo humor irônico, meu papel na ocasião; cidadão comum, vestindo a pele que a maioria dos compatriotas carrega na vida cotidiana.

Ocorre que, necessitava entregar uma série de documentos, passar por exames, entrevistas, pegar senha, fila de espera, aguardar. Por favor, não me julguem como alguém soberbo ou merecedor de prerrogativas. Sou um cidadão como todos, e assim me comportei, contudo prestando atenção e coletando impressões antropológicas de cada momento do meu dia de cidadão padrão. Sem dar a famosa “carteirada”, segui o fluxo para cumprir a exigências, devidamente impressas em folha sulfite, tamanho A4. No dia em questão, acordei bem cedo e me dirigi ao local orientado para entregar documentação. O ingênuo Dr Frederico calculou que estaria em casa na hora do almoço, tendo resolvido toda pendência burocrática. Então inicia-se a saga do cidadão  brasileiro.

Após alguma espera, fui cordialmente recebido por uma funcionária que, bateu os olhos no papel e sentenciou peremptoriamente; esses documentos não são entregues aqui, você deve se dirigir a tal setor. Apesar da instrução impressa em folha sulfite comum, tamanho A4, dizer que  o local no qual eu deveria estar era justamente aquele,  decidi me portar com civilidade. Agradeço pela informação, e sigo as novas instruções, perseverando  na migração, e aos poucos começando a entender que não estaria em casa para o almoço. Chegando ao novo destino, tomo em minhas mãos minha pastinha brasileira, repleta de documentos xerocados, originais, fotos 3×4. Atendido por um simpático senhor que tomou o papel de minhas mãos, logo percebendo que o assunto não era de sua alçada, imediatamente entregou-o a a colega mais próxima. Que, por incrível que pareça, passou os papeis a diante. Obedeço imediatamente a orientação de aguardar sentado. Detalhe, toda a saga testemunhada por minha mãe, dona Carmen, que trabalhou e aposentou-se como funcionária pública. Seus olhos aguçados acompanhavam serenamente as idas de vindas de minha folha sulfite, tamanho A4 com o roll de documentações e etapas do processo.

No novo período  de aguarda me  dei conta de que não havia me munido de nenhum livro, já que, na minha  inocência trataría-se de procedimento expedito, já que possuía junto a mim, no colo de dona Carmen, pasta recheada com um verdadeiro dossiê. Descobri documentos que desconhecia até então. Bem, sem livro, vamos de celular!! Distrai, destrói (rsrsrsrs)  faz o tempo passar, então mais uma cereja no bolo. O local  onde me encontrava não possuía sinal de  celular. Conforme correm marasmáticos os minutos  de espera, observo os semblantes das pessoas que aguardam sua vez. Percebo que minha expressão é curiosa e quase infantil ao fixar minha atenção nas faces calejadas por tanto repetirem aquele maçante processo.

Aqui está o povo brasileiro….filas intermináveis que levam a outras filas, conduzindo a  salas de espera ausente de sinal pata telefones móveis. Uma ou duas vezes me passou pela cabeça a ladina ideia; vou até o balcão dar uma “carteirada” para ser atendido mais rapidamente, o famoso fura fila. Contive meu ímpeto parlamentar, e aguardei, como todos, minha vez para ser chamado. Finalmente uma voz feminina firme e algo intimidadora chama meu nome: Frederico Félix. Levanto de um salto deixando meus companheiros na sala de espera com suas folhas A4, tomadas por informações de suas brasileiras existências. Já na sala onde fui chamado, entrego alguma documentação a duas jovens. Não me tratam mal mas me senti um número, uma peça de engrenagem. Tudo rápido e impessoal. Deixo a sala com novo calhamaço de exames e questionários a serem preenchidos. Ah, sim, claro, fui dirigido  a outro setor para novas orientações. Após essa pequena saga, para mim uma espécie de estudo em locu, do marasmo repleto de burocracias e trâmites que tornam a vida dos cidadãos dependentes do sistema, homens e mulheres desolados, confusos, e cheios de dificuldades para resolução de pendências relativamente simples.

Todo  o processo levou cerca de 7 dias úteis. Para mim foi “café-com-leite”, mas me compadeci da população de iletrados ou pessoas mais simples, precisando resolver questões cruciais. Se eu “sofri”, recebendo ajuda da mãe e auxílio de minha contador, por quais constrangimentos e esperas infindáveis, passam nossos compatriotas de menor acesso e recursos? Essa é a pele do brasileiro; paciente, obediente as autoridades, submissas a burocracia, atrasando  recebimento de direitos de um povo comprimido pelos impostos, na essência, trabalhadora, porém, sofrida.

“E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,0
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO-MORTE E VIDA SEVERINA.“

 

Por: Dr Frederico Félix