No final de 2021, viralizou nas redes sociais, o vazamento de um áudio de uma influencer digital descrevendo as atitudes de um renomado médico obstetra/ginecologista da capital paulista. No áudio em questão a influencer relata o que ocorreu durante seu trabalho de parto: “Quando a gente assistia ao vídeo do parto, ele me xinga o trabalho de parto inteiro. Ele fala ‘Porra, faz força. Filha da mãe, ela não faz força direito. Viadinha. Que ódio. Não se mexe, porra’… depois que revi tudo, foi horrível (…) Ele chamou meu marido e falou: ‘Olha aqui, toda arrebentada. Vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela’. Ele falava de um jeito como ‘olha aí, onde você faz sexo, tá tudo fodido’. Ele não tinha que fazer isso. Ele nem sabe se eu tenho tamanha intimidade com meu marido (…) Ele quebrou o sigilo médico. (…) Descobri que falou da minha vagina para outras pessoas. Tipo ‘Ficou arregaçada, se não tiver episiotomia, você vai ficar igual'”
O profissional que recebeu a acusação, nega que tenha ocorrido violência. O MP/SP e o Cremesp irão investigar o caso.
Esse caso vem repercutindo muito por se tratar de pessoas famosas, mas quantas mulheres passam por situações como essa e acabam se calando, por medo, vergonha, certeza da impunidade? Você sabe o que é violência obstétrica? Você sabe o que fazer caso presencie ou tome conhecimento de algum caso de violência obstétrica?
A expressão Violência Obstétrica foi criada pelo presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Venezuela, Dr. Rogélio Perez D’ Gregório, e ficou conhecida mundialmente em 2010, através do Jornal Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.
No Brasil, o termo foi reconhecido no ano de 2019 pelo Ministério da Saúde, após recomendação do Ministério Público. Ainda em construção o conceito de violência obstétrica pode ser definido como abusos sofridos por mulheres quando procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, nascimento ou pós-parto. Os maus tratos podem incluir violência física ou psicológica, podendo fazer da experiência do parto um momento traumático para a mulher ou o bebê.

A violência obstétrica está relacionada não apenas ao trabalho de profissionais de saúde, mas também a falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo.
Existem vários tipos de violência obstétrica que vão desde deboches e xingamentos a cortes e intervenções desnecessárias no corpo da gestante, a violência obstétrica tem diversas nuances. Em comum, o desrespeito com a mulher. Vejamos alguns exemplos:
- A violência pode ocorrer por negligência: Negar atendimento ou impor dificuldades para que a gestante receba os serviços que são seus por direito. Como por exemplo a privação do direito da mulher em ter um acompanhante, o que é protegido por lei desde de 2005.
- Violência física: Práticas e intervenções desnecessárias e violentas, sem o consentimento da mulher. Entre elas, estão a aplicação do soro com ocitocina, lavagem intestinal, exames de toque em excesso, ruptura artificial da bolsa, raspagem dos pelos pubianos, imposição de uma posição de parto que não é a escolhida pela mulher, não oferecer alívio para a dor, seja natural ou anestésico, episiotomia sem prescrição médica (corte cirúrgico efetuado no períneo (conjunto de músculos próximos a vulva e ânus) ao final do parto, no período expulsivo, já quando a cabeça do bebê começa a sair.), “ponto do marido” (procedimento cirúrgico que requer uma ou mais suturas do que o necessário para reparar o períneo de uma mulher depois de ter sido rompido ou cortado durante o parto.), imobilização de braços ou pernas, manobra de Kristeller (o procedimento foi banido pela Organização Mundial de Saúde, em 2017).
Imagem ilustrativa A questão da cesariana também pode ser considerada uma prática de violência obstétrica, quando utilizada sem prescrição médica e sem consentimento da mulher. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o segundo país com maior percentual de partos realizados por cesárea no mundo: enquanto a OMS orienta uma taxa ideal entre 25 e 30%, a realidade brasileira aponta que 55,6% dos partos são realizados com essa prática. O percentual é ainda mais alto na medicina privada, na qual 85,5% dos partos são feitos a partir de cesariana, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
- Violência verbal: Comentários constrangedores, ofensivos ou humilhantes à gestante. Seja inferiorizando a mulher por sua raça, idade, escolaridade, religião, crença, orientação sexual, condição socioeconômica, número de filhos ou estado civil, seja por ridicularizar as escolhas da paciente para seu parto, como a posição em que quer dar à luz. Expressões como: “cala a boca, para de gritar, senão o bebê vai nascer surdo”, “na hora de fazer (filho) foi bom, então agora não grita”, “desse jeito você vai acabar matando seu bebê”; esse tipo de comentário também é uma violência verbal contra a parturiente.
- Violência psicológica: Toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, medo, instabilidade emocional e insegurança.
- Violência obstétrica em casos de abortamento: Embora seja muito aliada ao parto em si, mulheres que sofreram um aborto também podem ser vítimas de violência obstétrica. Isso pode acontecer de diversas maneiras: negação ou demora no atendimento, questionamento e acusação da mulher sobre a causa do aborto, procedimentos invasivos sem explicação, consentimento ou anestesia, culpabilização e denúncia da mulher.
No Brasil não há atualmente uma legislação federal específica contra a violência obstétrica, mas há iniciativas estaduais e municipais. Para evitar que mais uma mulher se torne vítima desse tipo de violência, é importante conhecer todos os direitos da mulher grávida, como por exemplo ter conhecimento sobre a lei do acompanhante, que determina que os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. Esse acompanhante será indicado pela gestante, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um(a) amigo(a), ou outra pessoa.
Outro ponto importante é elaboração de um plano de parto, que é um documento feito pela gestante, onde fica registrado por escrito tudo aquilo que ela deseja da assistência médica e hospitalar em relação ao seu trabalho de parto, parto e nos cuidados com o recém-nascido no pós-parto imediato.
É uma forma de deixar clara a comunicação do que a gestante e o futuro pai esperam da assistência, como também revela que estão minimamente informados sobre os procedimentos feitos no parto e que não gostariam de ser tratados com intervenções de rotina, mas sim com cuidado individualizado e apenas recebendo intervenções se realmente forem necessárias.
O profissional (médico, equipe do hospital, enfermeiros, pessoas envolvidas no atendimento da parturiente) que cometer violência obstétrica, pode ser punido administrativamente com base no Código de Ética Médica, e deve ser processada a partir da denúncia perante a Ouvidoria, a Comissão Ética do Hospital ou o Conselho Regional de Medicina.
No âmbito judicial, é possível buscar a responsabilidade do agente nas esferas penal e civil. Quanto à primeira, não existe uma tipificação que identifique a “violência obstétrica”, mas, sim, diferentes condutas previstas no Código Penal Brasileiro que podem refletir essa violência, a depender das circunstâncias, como, por exemplo, os crimes de constrangimento ilegal (art. 146), de ameaça (art. 147), de maus-tratos (art. 136) e de lesão corporal (art. 129), dentre outros tipos penais.
Já na esfera civil, a reparação à vítima se dá pelo ingresso com uma ação judicial de natureza indenizatória contra o profissional da saúde, o hospital ou o convênio, sendo necessária, no caso, a assistência de um advogado ou defensor público. Pelos dispositivos legais, a indenização deve se basear nos danos morais – e, eventualmente, estéticos e materiais – suportados pela mulher.
O nascimento de uma criança é um momento incrível, repleto de emoções e surpresas. É importante que a mamãe e seu acompanhante busquem o máximo de informações possíveis sobre os procedimentos necessários nesse momento, afim de evitar que profissionais despreparados cometam abusos.
Ao notar qualquer comportamento duvidoso ou que cause algum tipo de constrangimento, comunique a alguma autoridade, seja da própria instituição hospitalar, nas secretarias de saúde (municipal, estadual), nos conselhos de classe (CRM quando o desrespeito veio do médico, COREN quando do enfermeiro ou técnico de enfermagem), ligando no 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 136 (Disque Saúde).
SE INFORME! NÃO SE CALE! EXIJA SEUS DIREITOS!
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