Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante (foto acima), defendeu nesta terça-feira (29) que o Brasil desenvolva um ambicioso projeto para reflorestar 50 milhões de hectares da Amazônia. Em sua visão, essa iniciativa precisaria ser financiada com recursos internacionais já que demanda um grande investimento e seria a medida com maior impacto no mundo para enfrentar o aquecimento global.

Mercadante avaliou ainda que o trabalho deveria começar sobre as terras devolutas, que são terras públicas sem destinação pelo Poder Público, muitas das quais estão sob posse irregular. Também considerou que o projeto deve envolver partes de floresta produtiva, que gere renda às populações. Ele disse que o BNDES está trabalhando em torno do assunto.

A proposta foi apresentada na abertura do seminário “Thinking 20, a Global Order for Tomorrow”, no Rio de Janeiro. O evento foi organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) para discutir o papel do T20, grupo responsável por reunir pensadores de diversas áreas do conhecimento para debater e produzir documentos que subsidiem e influenciem recomendações e declarações finais do G20, que reúne representantes das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia.

“Temos que lançar um projeto de impacto, porque é urgente nós mudarmos de atitude e avançar. A nossa sugestão, que estamos trabalhando no BNDES e vamos apresentar o debate em breve, é criarmos um grande projeto de restauração e regeneração da Floresta Amazônica. A nossa meta tem que ser, ao longo de um período a ser estudado e definido, replantar 50 milhões de hectares”, disse Mercadante.

Segundo o presidente do BNDES, uma iniciativa dessa dimensão retiraria 65 toneladas de carbono do planeta, que não apenas garantiria o cumprimento da meta brasileira como seria a maior contribuição para reverter o quadro atual. Mercadante considera que os oito países da Amazônia devem se envolver na iniciativa, mas que o Brasil pode liderar a proposta e levar o debate aos fóruns internacionais do G20 e da Organização das Nações Unidas (ONU) à 28ª edição da Conferência das Partes (COP28), que acontece em novembro deste ano.

“Não tem nenhum outro projeto desse alcance disponível no planeta. Não dá pra imaginar que nós vamos substituir a economia fóssil que tem um século, do dia para a noite. Não tem como substituir de uma vez os navios, os aviões, os automóveis, os caminhões que estão trafegando. A substituição é progressiva. A mudança da matriz energética contribui muito, mas ao mesmo tempo quando apertou a situação da Europa, com a guerra, todo mundo recorre à energia do carvão. Então não é um processo também linear, rápido e fácil”, acrescentou.

Ele disse que o reflorestamento da Amazônia deve ser sustentado e viabilizado por uma renda internacional e que, do contrário, o aquecimento global vai pôr fim à estabilidade econômica do mundo e ampliar a desigualdade social. “Os principais institutos de meteorologia preveem que os próximos anos serão os mais quentes da história, que pelo menos um ano já terá mais de 1,5 grau Celsius. Quando eu era ministro da Ciência e Tecnologia, nós tivemos estudos para ver o impacto do aquecimento global na fauna e na flora. Em uma estufa, você vai aumentando as temperaturas e vai vendo quem se adapta, quem não se adapta, quem é resiliente. E era uma tragédia o aumento de 1,5 grau. Um aumento de 1,5 grau na média vai significar extremos climáticos devastadores, com prejuízos para todos os países do mundo”, observou.

O presidente do BNDES disse ainda que o Brasil deve lutar para se tornar o primeiro país do G20 a alcançar a emissão zero e que é possível atingir o feito antes de 2030.

“Não é promissor se cada país ficar apontando pro outro e dizendo o que tem que fazer. Cada um vai ter que assumir a sua responsabilidade. Qual é a nossa? Metade das nossas emissões é desmatamento da Amazônia e 24% é o uso da terra. Temos que partir disso. Nós já temos uma matriz energética muito limpa. A média dos países do G20 é 11% e a nossa é 45%. Na matriz elétrica, hoje temos 91% limpa, que é hidráulica, solar e eólica”, avalia.

T20

A partir de 1º de dezembro, o Brasil sucederá a Índia na presidência do G20. Será a primeira vez que o país assume essa posição no atual formato do grupo, estabelecido em 2008. A presidência brasileira será exercida por um ano. Em novembro de 2024, está prevista a realização da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro.

Antecipando-se à presidência, em maio foi instalado o Comitê Organizador do T20 Brasil, que será responsável por mobilizar centros de pesquisa e think tanks que possam contribuir. Deverão ser desenvolvidos estudos e reflexões sobre temas diversos como macroeconomia, comércio internacional, digitalização tecnológica, energia limpa, multilateralismo, entre outros.

O Cebri, think tank independente criado para contribuir com a discussão da agenda internacional do país, é uma das três instituições que estarão à frente dos trabalhos do Comitê Organizador do T20-Brasil. O outros dois são o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento; a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), atrelada ao Ministério das Relações Exteriores.

A Agenda 2030, elaborada no âmbito da ONU, será um dos centros das discussões para um plano global para atingir em 2030 um mundo melhor para os povos e nações. Foram previstos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), aprovados em assembleia realizada em 2015. No mesmo ano, também foi aprovado o Acordo de Paris, tratado internacional para o enfrentamento do aquecimento global.

Plataformas digitais

Mercadante sugeriu que o T20 delimite os assuntos que serão debatidos para atuar com mais foco e resultar em avanços práticos. Segundo ele, o enfrentamento às mudanças climáticas deve ser a principal preocupação e apenas outras questões pontuais também devem receber atenção. Entre elas a regulação das plataformas digitais que, em sua visão, são instrumentos importantes de modernização e da transição digital, mas que atualmente causam prejuízo à economia internacional e precisam ser submetidas a uma regulação democrática que garanta mais equilíbrio entre as nações. Ele manifesta preocupação com o impacto das ferramentas de inteligência artificial.

“Estão entrando de forma muito incisiva sobre toda a indústria audiovisual e a publicidade de cada um dos países. Elas envolvem também a questão da proteção de dados pessoais. Essa máquina das fake news está arrebentando as relações sociais e o processo democrático de muitas sociedades. Então a regulação é um tema global que um país sozinho não tem como fazer. A União Europeia está se esforçando. Outros países estão se esforçando. Mas eu acho que o G20 deveria pautar esse tema e fazer sugestões mais ousadas”.

Após a abertura do seminário organizado pelo Cebri, foi realizado um painel para discutir desafios globais. Entre os participantes, estava o economista estadunidense Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia. Ele avaliou de forma positiva as ODS, mas considerou que os sistemas e as políticas internacionais não têm sido capazes de levar adiante o cumprimento das metas. O economista também lamentou que nenhum dos últimos presidentes dos Estados Unidos trataram de questões relacionadas com as ODS em seus discursos e cobrou maior envolvimento da academia nas discussões.

Sachs também disse que o combate ao aquecimento global demanda dinheiro e que a ONU não tem recursos para bancar as medidas necessárias. Segundo ele, é preciso mobilizar investimentos e tanto o Banco Mundial como as principais instituições financeiras são controladas pelas maiores economias. “O G20 não pode ser um lugar para geopolítica. É o único local onde podemos endereçar questões financeiras sérias”, disse.

Fonte: Agência Brasil-EBC