Arquivo/Agência Brasil

O número de crianças e adolescentes em situação de pobreza pode aumentar nos próximos anos no Brasil caso não haja políticas públicas permanentes voltadas para a questão. O alerta está na pesquisa Pobreza Infantil Monetária no Brasil – Impactos da pandemia na renda de famílias, lançada nesta quinta-feira (24) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

“O risco do aumento da pobreza monetária infantil nos próximos anos é relevante, pois a pandemia teve grande impacto sobre famílias com maior número de crianças e adolescentes”. Além disso, “a recuperação da economia ainda não fez com que os níveis de emprego e da renda do trabalho voltassem aos anteriores”, diz o estudo.

A pesquisa faz análise inédita dos impactos da pobreza monetária e da pobreza monetária extrema em crianças e adolescentes em 2020 e 2021. Na definição do Banco Mundial, pobreza extrema significa viver com menos de US$ 1,90 por dia e pobreza monetária, com menos de US$ 5,50. No Brasil, a referência usada é de R$ 492 por mês como limite para a pobreza monetária e R$ 170 para a pobreza extrema.

Segundo a pesquisa, crianças e adolescentes são os mais afetados pela pobreza. Até 2020, o percentual de crianças e adolescentes abaixo da linha da pobreza monetária extrema era próximo do dobro do índice de adultos – uma média de 12%, versus 6%. No caso da pobreza monetária, enquanto a população adulta registrava índice de cerca de 20%, crianças e adolescentes apresentavam percentual de 35% a 45%, dependendo da faixa etária.

“Isso é uma constante não só no Brasil, mas em outros países. As famílias com crianças e adolescentes são mais vulneráveis, elas têm base de custo maior dentro da própria família. As crianças e adolescentes têm uma série de necessidades, que fazem com que essas populações sejam mais vulneráveis. Por isso, políticas para a infância são fundamentais e precisam ser fortalecidas”, diz a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer.

A pesquisa mostra que mesmo entre as populações mais vulneráveis, há diferenças raciais e regionais. “A pobreza monetária infantil afeta com muito mais força populações pretas, pardas e indígenas, [a diferença é de] quase o dobro, dependendo do período, comparado com outras populações. Também percebemos o mesmo ciclo de disparidade entre crianças que moram no Norte e Nordeste, em comparação com Sul Centro-Oeste e Sudeste”, acrescenta Florence.

Auxílio Emergencial

O estudo analisa o impacto do Auxílio Emergencial e mostra que, com o programa, nos primeiros meses de 2020, o percentual da população em situação de pobreza monetária extrema caiu para cerca de 4%, enquanto o de crianças e adolescentes baixou para cerca de 6%. No caso da pobreza monetária, as reduções foram de cerca de 5 pontos percentuais para a população total e de cerca de 6 a 7 pontos percentuais para crianças e adolescentes.

Ao longo da pandemia, os dados mostram que quando o auxílio foi suspenso, aumentou também o nível de pobreza. Isso ocorreu também em setembro de 2020, quando o auxílio emergencial passou de R$ 600 para R$ 300, fazendo com que grande parte da queda da pobreza monetária fosse perdida.

Com o fim do Auxílio Emergencial, o governo federal modificou o Bolsa Família e criou o Auxílio Brasil, programas que têm desenhos semelhantes. Foi criado ainda um adicional temporário, aprovado apenas para 2022, que levará a média do auxílio a cerca de R$ 400.

“Política como o Auxílio Emergencial, em uma situação como esta, foi fundamental para proteger crianças e adolescentes da pobreza”, diz Florence. Para ela, essas medidas temporárias, no entanto, não resolvem o problema da pobreza, “por isso a gente recomenda que as políticas mais permanentes, como o Auxílio Brasil, precisam ter continuidade, com orçamentos garantidos e que cheguem às famílias mais vulneráveis”.

Recomendações

Para evitar que haja aumento da pobreza, o Unicef diz que é preciso garantir fontes de financiamento para viabilizar programas de transferência de renda. “Embora seja positiva e necessária a ampliação dos valores médios previstos para o primeiro ano do Auxílio Brasil, será preciso não apenas manter patamares parecidos nos anos seguintes, mas regulamentar critérios de correção dos valores dos benefícios de modo a evitar perdas decorrentes da inflação”, diz o texto.

Além disso, segundo a organização, é necessário que todos que atendem aos critérios do Auxílio Brasil recebam de fato o benefício, evitando inclusive que filas se formem devido a medidas de austeridade. “É exatamente nesses contextos que programas sociais são mais necessários”, ressalta a pesquisa.

O Unicef defende também que sejam garantidos mecanismos de expansão da cobertura do Auxílio Brasil em situações de emergência ou calamidade pública, como a que foi vivida com a pandemia da covid-19. Outra medida para enfrentamento da pobreza é a expansão do Sistema Único da Assistência Social para fortalecer a vigilância socioassistencial, os mecanismos de busca ativa e de cadastramento contínuo da população não atendida pelo Auxílio Brasil.

“Estima-se que cerca de 20% dos domicílios ficaram descobertos por qualquer tipo de transferência de renda após o fim do Auxílio Emergencial, em outubro de 2021. Adiciona-se a isso o fato de que domicílios com crianças mantêm-se mais vulneráveis do que aqueles sem crianças, especialmente devido à retração do emprego”, diz o estudo.

Programas de transferência de renda, a exemplo do Bolsa Família, respondem por pequena parcela do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e trazem efeitos “multidimensionais positivos na vida das famílias e na economia”.

*Colaborou Flávia Albuquerque

Fonte: Agência Brasil-EBC