Provavelmente você já ouviu falar em abandono afetivo, que é quando os pais ou responsáveis não cumprem seu dever de cuidado e criação dos filhos. E o abandono afetivo inverso? O conceito de abandono afetivo inverso é a ausência de cuidados por parte dos filhos em relação aos pais idosos.
O Estatuto do Idoso, lei 10.741/2003, é destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Já o artigo o artigo 229 da Constituição Federal, prevê que a família é a célula da sociedade, trazendo em seu bojo o princípio da solidariedade nas relações familiares. Nesse contexto, cabe aos pais o dever de amparar os filhos menores, enquanto os filhos maiores são incumbidos de prestar auxílio aos pais na velhice, carência ou enfermidade.
Diante dos conceitos, percebe-se que as relações familiares devem ser baseadas na reciprocidade, assim, quando temos a previsão constitucional de que os pais cuidarão dos seus filhos menores e os filhos maiores irão cuidar dos seus pais idosos, estamos dentro de uma visão de reciprocidade, de solidariedade, de que seria normal e natural que isso viesse a ocorrer.
Contudo nem sempre as famílias se estruturam dessa forma. Nos tribunais, cada vez mais é comum as ações de filhos em desfavor dos pais, em decorrência não somente de assistência alimentícia, mas também de abandono afetivo que quase sempre ensejam indenizações por danos morais, devidos aos traumas causados ao filho.
Essas crianças, rejeitadas pelos pais, crescem, seguem suas vidas, e os pais ausentes envelhecem e chegam ao ponto de necessitarem de cuidados especiais, esses cuidados pela lei é de obrigação dos filhos.
Recordo-me de um caso que atendi, de forma simplificada é o que segue: uma mulher de 33 anos foi notificada de que deveria juntamente com seus irmãos promoverem os sustento e cuidados de seu genitor, um idoso com problemas de saúde e sem a mínima condição se manter sozinho. Ocorre que essa mulher e seus irmãos, além de sofrem agressões físicas, foram abandonados pelo pai no estado do Piauí, acabaram sendo criados por tios, parentes e vieram residir em São Paulo, sem nunca mais manter nenhum contato com seu genitor, passando-se 30 anos. E aí, mesmo diante dessa triste história de rejeição e abandono, esses filhos seriam obrigados a sustentarem, cuidarem desse pai?
Depende! Depende de todo histórico familiar apresentado à Justiça, além de provas, como um laudo social que mostra a falta de relação entre eles e o pai, um laudo psicológico, que comprova sofrimento emocional e trauma pelo comportamento violento e negligente do homem.
Atualmente já existem julgados em que filhos comprovadamente negligenciados, abandonados, rejeitados, não têm a obrigação de assumir esse dever de cuidar de seu genitor, na maioria dos casos pagam um valor simbólico a título de pensão alimentícia; em suma amar é uma faculdade, cuidar é um dever, a Justiça não permitirá que um idoso seja jogado ao relento, assim como existem leis e políticas sociais que visam proteger crianças abandonadas por seus genitores o mesmo vale para os idosos.
Em 2016, em Fortaleza, a justiça negou o pedido de um idoso que ingressou na Justiça para receber pensão alimentícia dos três filhos. De acordo com o magistrado, as provas apresentadas pelos filhos ao longo da tramitação do processo e o depoimento do próprio idoso comprovam que houve abandono material e também afetivo por parte do pai.
“Não tendo o autor da causa sido pai de seus filhos para dar-lhes amor e afeição, e nem mesmo para auxiliar- lhes materialmente, quando da sua assistência os promovidos [filhos] ainda necessitavam, não se mostra justo, nem jurídico, que agora busque se valer da condição paterna apenas para impor-lhes obrigações”, disse o juiz Cléber de Castro Cruz, titular da 16ª Vara de Família de Fortaleza.
Ainda baseando-se nessa decisão de Fortaleza, o parágrafo único do artigo 1.708 do Código Civil dispõe que “a obrigação alimentícia cessa se houver por parte do credor procedimento indigno em relação ao devedor”. Também acrescentou que “constituem procedimento indigno de pai em relação a seus filhos as situações elencadas na Lei Civil por descumprimento aos deveres inerentes à paternidade (artigo 22, do ECA), dentre eles o abandono, material ou afetivo (artigo 1.638, CC). Tais situações legitimam a recusa à prestação alimentar de filhos em relação a seus pais, especialmente as que importem em abandono”.
Em 2020, a 2ª Vara da Família e Sucessões de São Carlos (SP) decidiu que uma filha pode se recusar a cuidar do pai que a abandonou e a agrediu quando ela era criança. O homem é interditado e, segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), depende de auxílio permanente.
Portanto, vale ressaltar que cada caso será analisado de acordo com suas particularidades. Apenas os sentimentos de mágoas, lembranças ruins, não são suficientes para isentar um filho dos cuidados com seus genitores idosos.
Outro detalhe importante é que o artigo 1.696 do Código Civil, “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros“, ou seja, filhos e netos. No caso de um idoso já ter perdido seus filhos, a obrigação recaí sobre os netos.
E na linha colateral, somente os irmãos estão obrigados a alimentar, conforme determina o artigo 1.697 do CC: “Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.” Ou seja, caso o idoso não tenha filhos ou netos, a obrigação recai sobre seus irmãos, mas nunca sobre sobrinhos.
As relações familiares devem ser valorizadas e cada vez mais colocadas em discussão de modo a despertar na sociedade a conscientização de que o amor não precisa ser obrigado por lei, mas que as relações entre pais e filhos devem ter o mínimo de dignidade e respeito. Como não se pode obrigar o pai a ser pai, não se pode obrigar o pai a dar carinho e amor, quando estes são menores, não se pode, com a velhice daqueles que não foram pais, obrigar os filhos, agora adultos, a darem aos agora incapacitados amor e carinho, quando muito, em uma ou em outra situação, o que se pode é obrigar a pagar pensão alimentícia para que o idoso tenha o mínimo de dignidade para terminar seus dias.
Com exceção dessas peculiaridades acima citadas, o abandono de idoso é crime, tratado no artigo 98 do Estatuto do Idoso, no qual o bem jurídico tutelado é a periclitação da vida e da saúde. Comete esse ato ilícito, quem desamparar, largar, abandonar a pessoa idosa nesses locais que foram estabelecidos na lei: Art. 98. “Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa”.
Exija seus direitos e cumpra seus deveres! Exija seus direitos e cumpra seus deveres!
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